24 de junho de 2024
A Proposta de Emenda à Constituição dos terrenos de marinha (PEC 3/2022), a chamada PEC das Praias, tem fomentado debates. Na consulta pública aberta no site do Senado Federal mais de 2 mil pessoas apoiam a proposição enquanto outras 159 mil não apoiam.
Antes de explicar a diferença entre terrenos de marinha e praia, vou contar o que propõem a PEC 3/2022. Ela tem como objetivo revogar o inciso VII do caput do artigo 20 da Constituição Federal e o parágrafo 3º do artigo 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Em outras palavras, a PEC pretende anular as regras de que os terrenos de marinha e seus acrescidos são bens da União e que os valores atualmente cobrados pelo uso de terras públicas a particulares parem de ser aplicados aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima.
Pois bem, os terrenos de marinha foram delimitados em 1831 e correspondem a todas as áreas que sofrem influência de marés (costa marítima, margens de rios e lagoas, além daquelas áreas que contornam as respectivas ilhas). Eles estão localizados numa faixa que começa a 33 metros da linha do preamar-médio, isto é, do ponto mais alto de onde chegou a maré em direção à terra, numa média registrada há 193 anos, confirmada no artigo 2 do Decreto-Lei 9.760/1946.
Os imóveis situados nos terrenos de marinha são de propriedade da União – em alguns casos esporádicos a propriedade pertence aos Estados e aos Municípios – e os proprietários são, na verdade, detentores do domínio útil do imóvel. Deles, além do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbano) são cobradas basicamente três taxas: laudêmio, foro e taxa de ocupação.
O laudêmio, é uma taxa correspondente a 5% do valor do imóvel e é cobrada quando ele é comercializado. Como dito acima, a propriedade dos imóveis localizados em terrenos de marinha é da União, porém, muitos desses imóveis são ocupados por cidadãos, que são detentores do domínio útil sobre eles, e este domínio pode ser transacionado – ou seja, pode ser objeto de compra e venda, doação, cessão, etc. Assim, sempre que o domínio útil for objeto de uma transação onerosa (comercializado), será devida a taxa denominada laudêmio. Já o foro, é uma taxa de 0,6% do valor da edificação que é cobrada anualmente daqueles que ocupam imóveis edificados em áreas caracterizadas como terrenos de marinha. A taxa de ocupação, cujo valor é de 2% ou 5% do valor do imóvel, por sua vez, é exigida de quem ainda não firmou o contrato de aforamento com a União – uma espécie de contrato de arrendamento.
A defasagem das fronteiras estabelecidas em 1831 entre aquilo que prevê a legislação e aquilo que é considerado pela União para cálculo dessa faixa de 33 metros, os critérios de avaliação dos valores dos imóveis para cálculos dessas obrigações tributárias e os elevados aumentos dessas taxas são constantemente questionados no Poder Judiciário.
Logo, basicamente, se a Proposta de Emenda à Constituição dos terrenos de marinha for aprovada e sancionada com o texto que está hoje no Senado, ela permitirá a transferência dos territórios para ocupantes particulares, Estados e Municípios. Os moradores passarão a ser realmente os donos de seus imóveis sem precisar pagar laudêmio, foro e taxa de ocupação.
E as praias serão privatizadas?
A PEC 3/2022 não prevê alterações na Lei 7.661/1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC). Por isso, mesmo que aprovada, seguirá valendo o que rege o artigo 10 do PNGC: “as praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido”.
Deste modo, vale lembrar que a praia é um bem livre e insuscetível de privatização. O trânsito das pessoas pode ser restrito apenas aos trechos considerados de interesse de segurança nacional ou nas praias incluídas em áreas protegidas por legislação específica.
Agora que você já sabe um pouco mais sobre esse assunto, poderá emitir sua opinião favorável ou desfavorável sobre a PEC, mas sem incorrer no erro técnico de se falar em “privatização das praias”.
*Artigo de Fabricio Posocco, professor universitário e advogado no Posocco & Advogados Associados, publicado em Boqnews, de Santos (SP)