17 de novembro de 2023
A mãe de um menino de nove anos relatou que se viu obrigada a mudar o filho de escola após ele ser alvo de injúria racial na instituição municipal de ensino que estudava em Santos, no litoral de São Paulo. Em entrevista ao Terra, a técnica em enfermagem Nayara Alves relatou que o filho, Arthur Antonio Alves Camargo, vinha sofrendo, desde o ano passado, ataques de uma colega de classe. O caso foi registrado no Conselho Tutelar da Zona Noroeste e no 5º Distrito Policial de Santos.
A situação ocorreu na UME Professor Waldery de Almeida, localizada no Jardim Santa Maria. De acordo com a mãe da vítima, o filho começou a apresentar problemas de não querer ir para a escola e de comparar a cor da pele dela com a dele.
“Eu sou negra, porém, sou mais clara, e ele queria ser como eu. Esse ano as coisas ficaram ainda piores, pois o Arthur passou a não querer ir para escola e acumular faltas”, disse.
Nayara relatou no boletim de ocorrência uma série de ofensas racistas direcionadas ao seu filho, incluindo termos como “sujo”, “macaco” e “cabelo duro”. Mesmo diante de reações do menino e inúmeras idas à escola, afirma que percebeu que as medidas adotadas não eram eficazes, geralmente se resumindo a conversas e a assinatura de ocorrências.
No último ataque, ocorrido recentemente, enquanto aguardava uma conversa com a direção, Nayara afirma que cruzou com a responsável pela aluna agressora, que a ofendeu com palavras como “omissa”, “delinquente”, “bandida” e “negligente”, alegando que ela estava criando um “projeto de bandido” e “burro”. A situação se agravou quando a criança de 9 anos presenciou a discussão e entrou em desespero.
Para Nayara, houve omissão da escola, que, segundo ela, minimizou as situações de racismo vividas pelo filho, considerando-as “algo corriqueiro de crianças”. Ela afirma que durante o tempo que o filho sofreu ataques racistas questionou diversas vezes a falta de apoio da instituição, especialmente quando se tratava da integridade física e mental da criança.
Ainda segundo a mãe, o filho sonhava em ser modelo desde os três anos, idade em que começou a fotografar, e perdeu o gosto pela carreira após sofrer racismo. “Ele sempre fez foto, era uma coisa que ele gostava muito. Depois que passou a sofrer racismo disse que não queria mais. Ele não se aceita mais”, contou.
Nayara buscou ajuda psicológica para o filho lidar com os problemas que a situação trouxe e afirma que sempre tentou explicar e ilustrar a diversidade, recorrendo a artistas, amigos e familiares para fornecer exemplos.
De acordo com ela, Arthur agora é uma criança transformada, que tem medo, chora nas madrugadas e questiona seu tom de pele. Ele relata ter ouvido palavras ofensivas vindas de colegas, que a escola disse não ter inspetores de alunos suficientes para conter.
“Quero deixar claro que acredito que todas crianças são vítimas e condeno qualquer forma de agressão verbal”, disse ela, afirmando que acredita que a colega que ofendia Arthur reproduzia aquilo que aprendia em casa.
Para proteger a saúde emocional de seu filho, Nayara tomou a decisão unilateral de transferi-lo para outra escola. Embora tenha sido uma mudança difícil para Arthur, ela afirma que era a melhor opção.
“Estou focando na saúde mental do meu filho, que é o mais importante. Ver ele passar por isso é um mix de sentimento, é algo surreal. As vezes me pergunto se realmente estamos vivendo isso e quando tudo irá se resolver”, lamentou a mãe.
Em nota, a Secretaria de Educação de Santos (Seduc) informa que a supervisão de ensino está apurando as informações e acompanhando o caso, para orientar a equipe gestora da escola sobre os procedimentos que devem ser tomados em relação aos estudantes.
“A Seduc informa, ainda, que repudia qualquer ato de racismo e injúria racial e que desenvolve um trabalho de conscientização na rede municipal de educação, por meio de palestras e visitas às unidades de educação, para que questões raciais sejam temas de discussões e reflexões, atendendo a lei federal 11.645/08“, acrescentou a pasta.
Medidas judiciais serão tomadas, diz advogado
Ao Terra, o advogado Fabricio Posocco, que representa Nayara, explica que ser chamado de “macaco” ou “nego sujo”, são ofensas que configuram a injúria racial, equiparada ao racismo pela Lei 14532/2023. “O mais triste disso tudo é observar que essas expressões partiram de uma criança com 9 anos e da própria madrasta dessa criança, que salvo melhor juízo somente deve ter repetido na escola uma conduta daquilo que vê em casa”, disse ele.
Posocco afirma que medidas serão tomadas tanto no âmbito civil quanto no âmbito criminal para garantir que a situação não fique impune. Ele destaca a importância de uma punição exemplar pelo Poder Judiciário para evitar que tais incidentes se repitam em escolas, sejam elas públicas ou particulares.
O advogado também afirma que a escola não agiu adequadamente ao permitir a prática de bullying e xingamentos ofensivos, além de não tomar medidas eficazes para coibir tal comportamento, que já havia ocorrido em ocasiões anteriores.
“Infelizmente, a situação chegou as raias do absurdo, e deixaram Arthur psicologicamente abalado, ao ponto do mesmo quando toma banho “se esfregar” fortemente com uma bucha durante um maior tempo para tentar ficar “menos preto e mais claro” para não sofrer esse tipo de agressão dos outros. O absurdo chegou a ser tão grande que um dos “amiguinhos” de Arthur disse a ele que se ele tomasse leite ou esfregasse leite em seu rosto ele poderia ficar mais claro, sendo que Arthur começou a querer fazer isso para tentar ficar mais claro”, lamentou Posocco.
Reportagem: Isabella Lima/Terra