Cid acerta delação e ganha liberdade condicional

6 de outubro de 2023

Um dia depois de o tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de Ordens, homologar sua delação premiada e na véspera de internação para novas cirurgias para tratar distúrbios intestinais decorrentes da facada que levou durante a campanha eleitoral de 2018, o ex-presidente Jair Bolsonaro postou nas redes sociais um vídeo que parece ser referência aos dois episódios. No vídeo, Bolsonaro fala das “três pequenas frases” que mais escuta quando está no meio do povo: “Não desista; Deus está contigo, e Estamos orando por você”.

A semana, de fato, começa para Bolsonaro de forma desafiadora. Ao mesmo tempo em que se interna no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo, para duas cirurgias que corrigirão o posicionamento alças intestinais e uma hérnia de hiato (Bolsonaro aproveitará também para fazer uma cirurgia no nariz, para corrigir desvio de septo), fora dali Mauro Cid começará a organizar os depoimentos nos quais tentará a redução de sua pena ao colaborar com a Justiça na elucidação dos crimes dos quais foi acusado. Mauro Cid falsificou certificados de vacina de covid para pessoas de sua família e também para Bolsonaro e para a sua filha mais nova, Laura. Está envolvido na articulação da tentativa de golpe para anular o resultado da eleição do ano passado, na qual se elegeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E tentou vender no exterior por cerca de R$ 300 mil um relógio Rolex cravejado de diamantes que Bolsonaro recebeu de presente. A Polícia Federal parece ter provas de outras vendas de joias.

Segundo informações vindas do PL e de pessoas próximas, há uma grande preocupação no entorno de Bolsonaro quanto ao que dirá Mauro Cid na sua delação. No fim de semana, o pedido de delação foi homologado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes que, em troca, concedeu liberdade condicional ao ex-ajudante de Ordens. Ele saiu da prisão, mas com algumas restrições de liberdade, como o uso de tornozeleira eletrônica. Nada disso se daria se, a essa altura, a intenção de Mauro Cid fosse somente confessar os crimes dos quais ele é acusado. A delação e a consequente decisão pela liberdade condicional indicam que Mauro Cid já deve ter prestado outras informações que acrescem à investigação e apontam para outros envolvimentos. E essas informações só podem apontar para uma pessoa: Jair Bolsonaro. Na cadeia de comando à qual Mauro Cid estava submetido no governo anterior, era somente a Bolsonaro, como seu ajudante de ordens, que Mauro Cid se submetia.

Antes de homologar a delação, Mauro Cid já havia prestado depoimentos à PF que somam mais de 30 horas. Na semana passada, ele esteve no Supremo Tribunal Federal (STF) e foi recebido pelo juiz auxiliar Marco Antônio Vargas, que trabalha no gabinete de Alexandre de Moraes. O juiz recebeu um documento, chamado termo de intenção, em que o ex-braço direito de Bolsonaro manifesta formalmente sua disposição em fechar um acordo. No sábado (9/9), o pedido foi aceito por Alexandre de Moraes e Mauro Cid saiu da prisão.

A expectativa é que ele aborde o esquema das joias sauditas, a chamada “minuta do golpe”, o documento no qual se decretaria Estado de Emergência para justificar uma intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) caso Bolsonaro não ganhasse as eleições de 2022, e o cartão de vacinação fraudado do ex-presidente.

Passos

Ao Correio da Manhã, o advogado Fabricio Posocco, do escritório Posocco & Advogados Associados, explicou os passos seguintes ao pedido de delação. “Depois que ele faz a delação premiada e ela é remetida para um juiz, ele observa se há regularidade, os requisitos da legalidade das acusações e se essa delação foi feita voluntariamente, sem nenhuma coação”.

Se a delação foi aceita, é porque, então, se entendeu que tais requisitos foram preenchidos. E que, de fato, o que Mauro Cid tem a dizer colabora com novos dados na investigação. Por isso, não parece haver dúvidas de que os depoimentos de Cid mencionarão Bolsonaro. Se for o caso, ele irá contrariar o que seu advogado, Cezar Bittencourt, disse à imprensa recentemente, de que “Cid não aponta o dedo” para ninguém.

Na verdade, desde que assumiu como terceiro advogado de Mauro Cid, Bittencourt tem dado sinais trocados do que faria. No primeiro momento, chegou a dizer, à revista Veja, que Cid relataria tudo. Depois, fez um recuo. Em seguida, admitiu que a delação poderia ser seu “plano B”. Para, então, dizer, que Cid não responsabilizaria Bolsonaro. E, finalmente, homologar o acordo, do qual não se sabem ainda os detalhes.

Cid está preso desde maio, devido ao inquérito que apura uma suposta fraude no cartão de vacina dele, de seus familiares, de Bolsonaro e da filha do ex-presidente, Laura Bolsonaro. Segundo a investigação da Polícia Federal, o ex-ajudante de ordens teria atuado para fraudar certificados de vacinação para si próprio e para seus familiares antes de uma viagem aos Estados Unidos. Depois, surgiram informações e documentos que também apontam para seu envolvimento na tentativa de golpe e na suposta venda das joias. Este último caso envolve também o pai de Mauro Cid, o general Lourena Cid.

Delação

Também em entrevista ao Correio da Manhã, o advogado especialista em direito criminal, João Rezende, destacou que, de acordo com a Lei 12.850/2013, que estabelece a previsão da colaboração premiada, “quando é feita a homologação da colaboração premiada, o investigado que delatou ele pode receber ali alguns benefícios”.

“Dentre eles, o próprio perdão judicial, ou seja, não teria uma pena aplicada a ele pelos crimes que cometeu. Também pode ter uma redução da pena em até dois terços e pode também haver a substituição da pena privada de liberdade que ele receberia por uma restritiva de direitos que seria a prestação de serviço à comunidade, pagamento pecuniário, ou algo nesse sentido”, completou o advogado.

O Correio da Manhã também conversou com o analista político Leandro Gabiati. Ele disse que é importante esperar para ver as ações de Mauro Cid. Ele não descarta a possibilidade do anúncio de delação premiada “ser um blefe para chamar a atenção de Bolsonaro e dos aliados de Bolsonaro”. “Vale lembrar que entre militares há um código de lealdade que pesa muito, então tem que ver se de fato essa lealdade do Cid e o Bolsonaro se mantém”, ele destacou.

O advogado Fabricio Posocco relembra que “tem que se tomar cuidado com as consequências jurídicas da delação premiada”. “Se acontecer o vazamento da delação premiada, isso pode gerar a inutilização dessa delação premiada. Ou seja, ela pode não produzir nenhum efeito e não vale como prova, destacou o professor universitário.

No entanto, o cientista político Leandro Gabiati também considera que, além do tempo de prisão e a pressão que Cid vem passando, ele pode realizar a delação premiada para proteger a sua família, especialmente o pai, o general Mauro Cesar Lourena Cid. “Quando há familiares envolvidos na questão, a situação fica muito mais sensível, ou seja, você fica mais propenso a querer resolver a situação e eventualmente contar aquilo que você sabe para aliviar a própria situação e principalmente a situação de um familiar envolvido em toda essa situação complexa”, disse Gabiati.

Reportagem: Gabriela Gallo e Rudolfo Lago/Correio da Manhã