Advogados apontam 30 direitos sobre heranças e casamentos

7 de julho de 2022

As múltiplas formas de relação familiar e os variados problemas que elas podem trazer têm feito a Justiça receber diferentes ações envolvendo herança, pagamento de pensão e partilha de bens.

Um fenômeno atual também contribuiu para que as ações fiquem ainda mais diversificadas: a pandemia. Há dois anos, seja pelas mortes causadas pela covid-19 ou pelo aumento no número de divórcios, os advogados têm recebido uma “enxurrada” de dúvidas sobre esses assuntos.

Para responder as principais dúvidas, a reportagem de A Tribuna conversou com especialistas em Direito de Família e Sucessões.

No campo da união estável, uma dúvida é recorrente: quanto tempo o casal precisa estar junto para conseguir esse registro? A advogada Flávia Brandão explica que “não há necessidade de tempo para fazer o pedido”.

Também durante a pandemia, muitos namorados passaram a morar juntos, mas com um receio: de que a relação seja considerada uma união estável. Quando isso acontece, é possível ter partilha de bens numa eventual separação. É o que muitos querem evitar. “Por isso, muitos estão fazendo o ‘contrato de namoro’. É um instrumento que o ‘casal’ faz para evitar os efeitos da união estável, blindando os patrimônios”, explicou a advogada Isabela Sampaio.

Muitas dúvidas surgem porque as leis não conseguem acompanhar as mudanças nas configuração dos relacionamentos hoje, conforme afirma a advogada Fernanda Meôky. “O Direito não consegue acompanhar as mudanças sociais, que acontecem de forma muito mais célere e fluida. Caso as regulamentações legais acompanhassem a realidade, as pessoas e as famílias teriam maior segurança jurídica”.

O advogado Fabricio Posocco acredita que o Judiciário e as leis ainda são muito conservadoras e, por isso, muitas situações demoram para serem resolvidas e tratadas de maneira igualitária pela Justiça. “O legislador brasileiro também acaba sendo conservador e casos que necessitam de uma posição da lei, por ausência dela (anomia), acabam sendo resolvidas por ativismo judicial, o que não é o melhor caminho”.

AS PRINCIPAIS DÚVIDAS

HERANÇA

1) O filho do casal de idosos faleceu. O neto (filho do falecido) tem direito a herança dos avós?


Não existe “direito de herança” de pessoa viva, o que é o caso da situação atual. Caso o filho tenha morrido, os netos podem suceder e receber parte da herança de seu avô, que seria destinado ao seu pai, mas só depois do falecimento dos avós. Na hipótese dos avós gastarem tudo o que têm em vida, não se falará em direito hereditário. (Fabricio Posocco, advogado)

2) Sou casada há um ano e meu marido tem dois filhos adultos. Eles têm direito ao que eu e meu marido adquirimos durante a união?

Sim, em caso de morte, serão herdeiros necessários do patrimônio do esposo, ou seja, se casados no regime de comunhão universal de bens ou de parcial de bens, os filhos serão herdeiros da meação do pai. (Rayane Vaz Rangel, advogada)

3) Tenho bens e vou me casar com um homem que já tem duas filhas. O que posso fazer para proteger os meus bens?

Fazer um bom pacto antenupcial, feito por advogado especialista, porque os regimes têm consequências diferentes para a vida e para a morte. Com o pacto, é possível escolher um regime que seja compatível com a vontade e, além disso, acrescentar outras cláusulas de proteção patrimonial. (Anne Brito, advogada)

4) Filhos fora do casamento têm direito a herança? E se não forem registrados no nome da pessoa que morreu?

Os filhos fora do casamento têm todos os direitos garantidos, assim como os filhos do casamento. Os filhos não registrados podem requerer o reconhecimento de paternidade, e assim ter sua herança garantida. (Geovanna Lourenzini, advogada)

5) Meu marido faleceu. Descobri que ele tinha um relacionamento de sete anos e um filho fora do casamento. Eles têm direito a herança?

O STF decidiu recentemente pela impossibilidade de reconhecimento de nova união estável quando um dos conviventes já é casado ou possua uma primeira união estável no período. Quanto ao filho fora do casamento, o Código Civil estabelece que os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos. (Fernanda Meôky, advogada)

6) Eu tinha uma união estável há 10 anos, mas ela não era registrada. Agora, ele faleceu. Eu perco os meus direitos?

Não existe “perda” de direitos. A parte interessada terá que procurar o Poder Judiciário para mover uma ação de reconhecimento para fazer valer os seus direitos. (Fabricio Posocco, advogado)

7) Minha mãe comprou um apartamento e colocou no meu nome. Meu irmão tem algum direito quando ela falecer?

A legislação obriga que os filhos do falecido apresentem o valor das doações que receberam em vida. É chamado de “colação”, que tem como objetivo igualar a legítima herança entre os herdeiros.

A doação do apartamento feita pela mãe não é inválida, mas impõe ao filho que recebeu a obrigação de trazer o patrimônio à colação, a fim de que sejam igualadas as cotas de casa um na partilha. (Fernanda Meôk, advogada)

8) O casamento é separação total de bens. Como fica a viúva quando ele morrer?

No regime de separação total de bens, tudo que o outro cônjuge possui é considerado bem particular, não haverá meação porque o regime não prevê essa divisão. (Anne Brito, advogada)

9) O pai da minha filha faleceu e a atual esposa diz que ela não tem direito a nada, pois todos os bens estão em nome dela. Está correto?

Possivelmente, não. Isso só seria possível se o regime de bens do casal fosse o de separação total e todos os bens estivessem no nome da mulher. Nesse caso, ela só receberia algo se fosse comprovado algum tipo de fraude. No regime de comunhão parcial de bens (o mais comum no Brasil), a criança seria herdeira da metade dos bens do casal (Geovanna Lourenzini, advogada)

10) Descobri que minha filha estava tendo um caso com meu ex-companheiro, ex-padrasto dela. Posso deserdá-la?

O parentesco por afinidade gera consequência no campo moral, como o relacionamento com o padrasto. Em casos específicos assim, a lei autoriza deserdar. (Isabela Sampaio, advogada)

11) Meu pai faleceu e deixou uma casa onde meu irmão mora com os filhos. Tenho algum direito?

O imóvel deixado pelo pai pertence a todos herdeiros necessários, ainda que só um more nele. É necessário abrir o inventário para partilhar o bem, e até lá os herdeiros têm o mesmo direito de residir no imóvel. Ou os irmãos que não moram podem receber aluguel de quem está usufruindo do imóvel, já que pertence a todos os herdeiros. (Kelly Andrade, advogada)

12) Meu pai faleceu e deixou uma herança. Mas, quando fomos avaliar, percebemos que ele também deixou muitas dívidas. Os filhos vão “herdar” as dívidas?

O conjunto de bens da pessoa falecida paga a dívida. Se a pessoa falecida não deixar patrimônio, o herdeiro não precisa pagar a dívida. Mas, se a pessoa falecida deixou dívidas e patrimônios, antes da partilha da herança ser entregue, é descontada a dívida no bens. (Isabela Sampaio, advogada)

13) Tenho direito sobre a herança que meu marido receber?

Quando são casados pelo regime de comunhão parcial de bens, os bens recebidos por herança ou doação não fazem parte dos bens recebidos em caso de divórcio, pois não entram como patrimônio comum do casal, são bens particulares. (Isabela Sampaio, advogada)

PARTILHA

14) Não sou casada, mas moramos juntos há 5 anos. Tenho direito a algo se nos separarmos? E se estiver só no nome dele?


União estável é uma situação de fato, ou seja, precisa de elementos que comprovem sua existência. Não é somente o tempo que determina, tem que também ser uma relação pública e contínua.

Uma vez comprovada, com reconhecimento em juízo, o regime legal de bens é o regime da comunhão parcial de bens, conforme descreve o art. 1.725 do Código Civil. (Valéria Silva, advogada)

15) Precisamos estar juntos há quanto tempo para ter uma união estável?

Hoje, não há necessidade de tempo. Precisa apenas preencher os requisitos, relação contínua e duradoura, entre duas pessoas, com objetivo de constituição de família. (Flávia Brandão, advogada)

16) Construímos a casa no terreno dos meus sogros. Me separei, quais são os meus direitos?

Poderá ter direito a receber indenização pelas benfeitorias que realizou no terreno, porém, quem atuará no polo passivo do processo são os proprietários, no caso, os sogros. É a chamada indenização por acessões. É bom evitar investir em propriedade de terceiros. Mas, se fizer, é indispensável que guarde recibos e comprovantes do investimento (Rayane Vaz Rangel, advogada)

17) Moro com meu namorado, mas não queremos que a relação seja considerada união estável, o que pode resultar em partilha de bens na separação. O que fazer?

Pode ser feito o chamado ‘contrato de namoro’. É um instrumento que o casal que vive um namoro faz para evitar os efeitos da união estável, blindando os patrimônios. É o documento que vai confirmar que era, de fato, um ‘namoro’. (Isabela Sampaio, advogada)

18) Estamos em união estável. Quais os direitos?

Tem direitos no regime de bens, no patrimônio formado ao longo da união, tem direito a alimentos, criação dos filhos, herança e plano de saúde. Os nossos tribunais superiores já equiparam os companheiros para fim de sucessão. (Flavia Brandão, advogada)

19) Me separei e agora ele disse que não tenho direito a nada do que compramos juntos, como o carro, porque não tem oficialização da união estável. Como fica a minha situação?

Para que seja configurada a união estável (e consequente partilha de bens após a separação), é necessário que o casal tenha convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família. Sem a presença desses requisitos, o reconhecimento da união estável fica prejudicado. No entanto, caso o casal tenha adquirido bens em conjunto, é possível resolver a situação em uma vara cível, buscando do ex o ressarcimento/restituição dos bens e valores que pagou durante o relacionamento. (Fernanda Meôky, advogada)

20) Não confio no meu ex-marido e na mulher atual dele para cuidar do meu filho. Posso proibir que ele fique com meu filho no final de semana?

Teoricamente, não. Para um pai (ou mãe) ser impedido de conviver com o filho deve haver uma razão confirmada, como prática de violência física ou psicológica. Apenas a falta de confiança não é razão para proibir o pai de ficar com a criança, deve haver motivação plausível. (Anne Brito, advogada)

21) Minha ex está morando com o namorado no apartamento que está financiado em meu nome. Ele vai ter algum direito?

Por ser ex, já não existe a relação pública. Neste caso, o ideal é elaborar um contrato de comodato para que não exista problemas posteriores. (Fabricio Posocco, advogado)

22) Posso adotar meu enteado? Quais direitos ele terá?

Sim. A lei permite o múltiplo vínculo familiar na certidão de nascimento do filho, constando, por exemplo, dois pais ou duas mães. Lembrando que os direitos e deveres são iguais, ou seja, ele também pode ter direito a heranças e pensão em caso de separação. (Isabela Sampaio, advogada)

23) Estou me divorciando e meu marido diz que não tenho direito à poupança. É verdade?

Se é casada no regime da comunhão parcial de bens, os valores investidos na poupança durante casamento pertencem 50% ao seu cônjuge. Isso porque a poupança configura patrimônio adquirido de forma onerosa e de acordo com a regra do regime da comunhão parcial de bens, esse capital entra na partilha de bens do divórcio. (Isabela Sampaio, advogada)

PENSÃO

24) Meu ex está devendo a pensão há mais de seis meses, mas não quero que ele seja preso. O que eu posso fazer?

Para evitar a prisão por falta de pagamento de pensão alimentícia, deve-se quitar o débito à vista, ou fazer um acordo para pagamento ou recorrer ao Judiciário e justificar (com provas) o porquê de não fazê-lo.

25) Meu marido quer colocar o nome dele na certidão da minha filha. Se isso for feito, ela perde o direito à pensão e à herança do pai biológico?

Não. A colocação do nome na certidão de nascimento (paternidade socioafetiva) não gera nenhuma perda de direito de alimentos ou direitos hereditários. (Fabricio Posocco, advogado)

26) Meu ex-marido não paga pensão há seis meses. Posso cobrar dos pais dele?

Quando o genitor está impossibilitado de promover a subsistência dos filhos por não ter condições financeiras, é possível acionar os avós para pagamento da pensão. (Fernanda Meôky, advogada)

27) Tenho uma filha de 20 anos que começou a trabalhar. Devo continuar a pagar pensão?

A única forma de cancelar o pagamento de uma pensão alimentícia fixada pela Justiça é por meio de uma Ação de Exoneração de Alimentos. Enquanto não fizer isso, a filha pode continuar cobrando a pensão alimentícia. (Kelly Andrade, advogada)

28) Meu ex disse que está desempregado e o juiz estabeleceu R$ 300 de pensão, mas ele vive de carro novo e viajando. O que eu posso fazer?

Tem direito a mover uma ação revisional de alimentos com o objetivo de aumentar o valor da pensão. Mas é necessário comprovar a alteração da situação econômica. (Kelly Andrade, advogada)

29) Quero cobrar pensão para o meu filho, mas o meu ex-marido se mudou e sumiu. O que posso fazer?

Pode entrar na Justiça informando possíveis endereços dele, o endereço de trabalho e, até mesmo, acionar os avós da criança para que eles indiquem onde ele possa estar. Se não for encontrado, o magistrado pode fazer consultas em sistemas internos da Justiça para localização. (Fernanda Meôky, advogada)

30) Meu filho está com 3 anos e o pai acabou de registrar. Posso cobrar pensão dos anos anteriores?

Reconhecida a paternidade, o genitor tem a obrigação de prestar alimentos ao menor desde a sua citação no processo, até que o filho complete a maioridade. A obrigação alimentar só é imposta a partir da citação da ação de alimentos, não sendo devido os anteriores. Por isso é importante buscar a Justiça para ter os direitos da criança preservados. (Valéria Silva, advogada)

Reportagem: Lorrany Martins e Rafael Gomes/A Tribuna