Atitudes incompreendidas: mães falam do desafio de criar superdotados

28 de março de 2022

A superdotação é, geralmente, carregada de estereótipos, principalmente em relação às crianças, imaginadas apenas como pessoas sérias com aptidão à lógica e à matemática. Apesar de serem áreas de interesse comum nesse grupo, existem outras vertentes a serem consideradas, como a criatividade e o potencial para liderança.

Foi isso que descobriram mães como Malu Guedes, Katia Rodrigues e Raquel de Morais. Os filhos, mais do que super habilidosos, ainda são crianças, que possuem as próprias dificuldades e não dispensam um bom momento de diversão.

Katia Rodrigues, mãe de Cristal, conta que teve dificuldades em oferecer à filha os recursos que ela necessitava, por muitas vezes ser desacreditada pelos professores e outros pais. “Minha filha começou a ler aos 3 anos. Hoje, com 9, ela fala inglês muito bem e desenha maravilhosamente.

Cristal sempre frequentou escola da rede pública. A mãe, desde cedo, comparou o desenvolvimento dela com o de crianças da mesma idade que frequentavam escolas particulares e com mais estrutura. Assim, notou que a criança parecia estar alguns anos na frente.

“Fui a algumas psicólogas que suspeitaram de uma possível superdotação, mas as professoras costumavam ignorar, e indicar que ela talvez tivesse autismo ou algo parecido. Quando finalmente recebi o laudo da avaliação de Cristal, ela pôde frequentar a sala de recurso. Fiquei muito feliz”, diz.

A sala de recursos, mencionada por Katia, é um espaço que possui mobiliário, materiais didáticos e pedagógicos específicos destinados ao desenvolvimento do Atendimento Educacional Especializado. As aulas ocorrem no contraturno escolar. O objetivo é elaborar recursos pedagógicos e de acessibilidade, que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos considerando suas necessidades específicas.

DESAFIOS SEMELHANTES

Raquel de Morais, mãe de Miguel, compartilha o desafio. As professoras do filho, diagnosticado com superdotação aos 6 anos, diziam suspeitar que o menino possuía dislexia, TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), TOD (Transtorno Opositor Desafiador) e autismo.

A mãe lembra de ter sido frequentemente chamada na escola. “Algumas atitudes dele eram incompreendidas”, conta.

A suspeita de TDAH por uma das professoras ocorreu em razão de Miguel copiar as tarefas muito rápido e gostar de ficar correndo pela sala de aula. Às vezes, o menino nem escrevia: respondia tudo o que era perguntado correta e oralmente.

Aí vem a quebra de alguns estereótipos construídos para crianças superdotadas. “Miguel não é um menino ansioso. Mas é muito independente. É criativo, produtivo, lógico, matématico”, aponta Raquel. Assim, ao mesmo tempo que tem afinidade com lógica, ele gosta de arte. “No contexto social, ele interage melhor com pessoas mais velhas, adolescentes e pré-adolescentes”, afirma.

No caso de Malu Guedes e João, hoje com 3 anos e 6 meses, pelo menos a identificação veio de forma mais natural. Afinal, a mãe é neuropsicóloga e logo viu os traços de altas habilidades no filho.

E os indícios foram vários e certeiros: com 11 meses, João aprendeu o alfabeto. Com 1 ano, as sílabas. E com 2 já estava plenamente alfabetizado e fazia alguns cálculos matemáticos.

“Ele começou a ficar muito avançado para a turma na escola que frequentava. Então, aos 2 anos, o dono da instituição permitiu que ele avançasse um ano em um período de adaptação e, posteriormente, permanecesse desse jeito, com a adição de atividades extracurriculares. Foi muito bom e produtivo. Agora, estamos com uma liminar para fazer a aceleração curricular dele”, conta.

DIREITOS RESERVADOS AOS SUPERDOTADOS

A Constituição Federal reserva direitos específicos para indivíduos com altas habilidades. De acordo com o advogado Fabrício Posocco, a legislação brasileira assegura ao estudante superdotado o direito ao enriquecimento curricular, aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar e o acesso a professores com especialização adequada para atendimento e integração.

“Quando essas regras não são cumpridas, os pais ou responsáveis podem recorrer ao Poder Judiciário. Grande parte das ações que tramitam na Justiça são para aceleração de série ou matricular estudantes aprovados em universidades antes de concluir o ensino médio”, afirmou ao Metrópoles.

Os demais direitos são majoritariamente previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que regulamenta o ensino no Brasil. “Ela garante, em seu artigo 4º, inciso III, atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino”, comenta.

Posocco aponta a Lei 13.234/2015 como fundamental, uma vez que torna obrigatória a identificação, cadastro e apoio aos superdotados. O advogado destaca também a meta do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014), que é “oferecer até 2024 um atendimento especializado, inclusivo, e com salas com recursos multifuncionais, públicos ou conveniados para estudantes de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação”.

Reportagem: Letícia Holanda/Metrólopes